Ao contrário do que muitos pensam, andar de ônibus pode ser relaxante. Pegar um coletivo lotado às 5 da tarde, em meio a um engarrafamento monstro e ouvindo no rádio uma música de qualidade bem questionável, isso sim é estressante. Mas quem já precisou pegar ônibus bem cedinho provavelmente já desfrutou de uma soneca. Quem nunca dormiu e bateu com a cabeça no vidro no meio de uma curva? Quem nunca acordou com a cabeça apoiada no ombro do passageiro ao lado? Quem nunca passou do ponto de descida porque dormiu demais? Dormir no ônibus é quase tão gostoso quanto continuar na cama. Mas sinceramente acho que, da mesma forma que há botes salva-vidas nos barcos, deveria haver joelheiras nos transportes públicos, como item obrigatório. Não entendeu nada? Pois eu vou bem contar uma história e você vai compreender:
Eram 5:30 da manhã e o sol começava a dar sinais no horizonte. O ônibus não estava lotado, mas todos os lugares estavam ocupados e havia umas cinco pessoas em pé. Era um festival de cabeças apoiadas nos vidros. Já os que estavam sentados no lado do corredor, curvavam a cabeça para trás e tiravam um ronco. E “tirar ronco” não é força de expressão: alguns roncavam mesmo! A começar pelo cobrador que, com a cabeça apoiada em seu bauzinho, tinha que ser acordado aos gritos cada vez que entrava um novo passageiro. A maior preocupação era com o motorista: vai que ele entrava naquele clima...
Nesse ambiente de “siesta espanhola”, o que impressionava era que as pessoas que estavam em pé... também dormiam. Parece que já tinham tudo esquematizando. Cada um se segurava naquela barra de ferro horizontal, com as mãos cruzadas umas sobre as outras, e meio que apoiavam o corpo na lateral dos bancos. Provavelmente era bom, já que a baba de muita gente molhava as golas das camisas. De vez em quando alguns dorminhocos sentados acordavam assustados porque as pernas dos que estavam de pé acabavam roçando em seus braços. Recuperados do susto, voltavam a dormir.
Naquele dia havia, no entanto, um baixinho de pé no meio do ônibus. O pobrezinho estava esticado, tentando se segurar na barra de ferro. Quando eu era criança eu vivia tentando me segurar lá encima, assim como meus colegas de classe. Ver aquele homenzinho se esticando todo me fez lembrar essa época. Quando ele conseguia alcançar a barra, o máximo que fazia era segurar-se com as pontas dos dedos, que escorregavam a cada curva.
Porém, num trecho do caminho que era mais reto, o carinha conseguiu se estabilizar e, em meio a esse ambiente relaxante, o pior ocorreu: ele dormiu de pé. Nesse momento, além do motorista, umas cinco pessoas ainda conseguiam ficar acordadas, lutando, porém, contra o sono. Uma senhora sentada num dos bancos do corredor dormia tão profundamente que nem se dava conta de que o baixinho que estava em pé já praticamente sentava em seu ombro enquanto dormia e tentava com a ponta dos dedos se manter de pé. Foi quando todo o ônibus foi surpreendido por um forte estrondo. TUUMMM!
Todos pularam assustados e, meio desnorteados, tentavam procurar a origem do barulho. Um pneu estourado? Um tiro? Um trovão? Um animal atropelado? A senhora que dormia profundamente resolveu olhar para baixo e viu, então, o baixinho ajoelhado no chão, com a cabeça baixa e ainda feito a Bela Adormecida. Todos meio que se levantaram para conferir a cena. Até o cobrador se esticou para ver. O nanico despencou lá de cima e foi com toda a força pro chão, e de joelhos. Viu-se alguém rindo discretamente, sendo logo seguido por outros. Devido a esse burburinho, o baixinho foi acordando aos poucos. Percebendo sua situação, usou apenas sua visão periférica para ver que estavam todos olhando para ele. Experto que só ele, juntou as mãos em sinal de oração e disse em voz alta, como se terminasse uma: “...não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. Amém!” Levantou-se, deu o sinal para descer e se mandou do ônibus. Olhando pela janela, todos viam uma figura engraçada, correndo desorientadamente pela madrugada até sumir na escuridão. Muitos não entenderam nada, outros entenderam perfeitamente. Teve beato aproveitando a deixa e se benzendo. E a vida voltou ao normal. Voltaram a dormir e só acordaram na parada final.
No dia seguinte, aqueles que sempre pegavam o ônibus do mesmo horário procuraram em vão pelo baixinho. Ele jamais pegou aquele ônibus de novo.